Fonte: Baguete

Quem aí se lembra do Mensageria Digital, software de correio eletrônico que deveria proteger a população brasileira da espionagem da NSA? 

Em setembro do ano passado, após vir à tona numa entrevista de Edward Snowden ao Fantástico que a presidente Dilma Rousseff teve seus e-mails monitorados por espiões americanos, Brasília passou por um surto de ação e reuniões que deveriam resultar em um concorrente brasileiro para serviços sujeitos à juridição americana como Hotmail e o Gmail.

O prazo para entrega era o fim do primeiro semestre de 2014, segundo disseram na época os Correios. 

Em uma reunião no Ministério das Comunicações, entre o ministro Paulo Bernardo e o presidente do Serpro, Marcos Mazoni, ficou acertado que a tecnologia usada seria a do Expresso V3, plataforma open source do Serpro.

(Na verdade, a reunião deixou sem resposta uma pergunta importante: quem pagaria a conta. O presidente do Serpro chegou a dizer que caberia ao Ministério das Comunicações “fazer uma articulação” para bancar a infraestrutura).

A reportagem do Baguete procurou as partes envolvidas e a conclusão, ao que tudo indica, é que projeto de lançar um serviço de e-mail subsidiado pelo governo para a população foi abandonado.

Nem Serpro, nem Correios nem o Ministério das Comunicações quiseram falar sobre o assunto, limitando-se a praticar uma forma conhecida de jogo de empurra.

O Ministério das Comunicações disse que não se manifestaria sobre o assunto “tendo em vista que o projeto está sendo desenvolvido pelos Correios e parceiros”.

O Serpro diz que o “projeto é dos Correios” e que a estatal de processamento de dados “ainda não foi convidado para se juntar a ele”, motivo pelo qual a empresa “não tem informações para passar”.

Os Correios disseram que o Mensageria Digital está “sendo desenvolvido” no âmbito da parceria dos Correios com a Valid anunciada no final do ano passado e cuja formalização ainda não está concluída. 

“Ainda não há previsão para início do funcionamento do serviço”, afirmam os Correios em nota. No final do ano passado, a Agência Brasil divulgou que os Correios esperavam concluir os termos da parceria com a Valid até abril de 2015. A data para o eventual lançamento de algo não foi mencionada ainda.

A indignação em Brasília pelo caso de espionagem parece ter passado depois de uma torrente de críticas públicas que incluríram o cancelamento de uma visita presidencial aos Estados Unidos. O vice presidente americano, Joe Biden, conhecido pelo talento diplomático, esteve em Brasília em junho aparando arestas com Dilma.

E o escopo do acordo em negociação com a Valid é bem mais amplo do que o lançamento de um correio eletrônico. Com o Serpro fora da parada, parece muito improvável que o e-mail nacional venha a acontecer nos termos que circularam no ano passado.

O acordo dos Correios com a Valid faz parte de um esforço antigo da estatal, iniciado ainda em 2011, visando modernizar os seus serviços, dentro de um projeto chamado Correio Digital. 

O foco é prestar serviços como certificação digital, impressão descentralizada e emissão eletrônica de documentos, que tem aderência para clientes empresariais dos Correios, que terão 49% da nova empresa focada nesse mercado.

Com a parceria, os clientes poderão receber, por exemplo, extratos bancários ou contas telefônicas por e-mail (qualquer e-mail, não necessariamente um e-mail estatal brasileiro). 

Não se sabe quando exatamente naufragou o plano dos Correios oferecerem um serviço baseado em Expresso V3 para as massas – se é que essa ideia alguma vez foi algo além de um factóide – mas o fato é que todas as partes vão estar melhor com o fracasso do plano.

Os Correios se concentram no atendimento ao seu público alvo, no qual notoriamente tem bastante ainda a melhorar em termos de serviço. 

Segundo dados da consultoria britânica Oxford Strategic, a estatal, que detém monopólio da entrega de correspondência no país, está em nono lugar entre empresas postais das 20 maiores economias do mundo.

O número de encomendas entregues por carteiro foi de 526 em 2010 — na alemã Deutsche Post, privatizada em 1995 e sem reserva de mercado, cada profissional fez 4.500 entregas.

Já o Serpro pode se concentrar na expansão do Expresso V3 na administração pública brasileira, onde tem avançados decretos no sentido de promover tecnologia nacional, em tese mais segura. A empresa também evita entrar em um mercado onde teria todas de se dar mal. 

Estar protegido da espionagem internacional pode ser um argumento poderoso em Brasília, mas para o cidadão comum parece uma proposta de valor um pouco etérea frente a variáveis como funcionalidades e capacidade de armazenagem.

A capacidade das caixas de correio do Serpro, por exemplo, é de 500 MB, é uma fração do 30 GB que o Google oferece para usuários pagos hoje (quase uma década atrás, em 2004, o Gmail revolucionou o mercado oferecendo 1GB gratuitamente).